""tendo poucas forças, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome."

Carta a igreja de Filadelfia - Apoc. 3.8


sábado, 13 de outubro de 2012

CANTINHO IBAD



SEGUNDA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2012


Jó e as motivações de Deus.

Quando eu mencionei no meu post anterior sobre Jó que haviam interpretações que roubavam a história de Jó de seu poder e significado, eram leituras mais ou menos como esta do pastor e escritor Altair Germano que eu tinha em mente. O reverendo Germano faz uma leitura pastoral, edificante e bem intencionada da história de Jó; mas ele também a distorce no ponto crucial das motivações de Deus no livro. A interpretação dele está dentro de um amplo consenso evangelical sobre os propósitos de Deus e o problema do mal no livro de Jó, e junto com este consenso ele acaba justificando a Deus quando não deveria, e atribuindo faltas imaginárias ao personagem de Jó. Citando a seção relevante de seu texto:

Como dissemos no início, todo o sofrimento de Jó não causado por uma mera disputa entre Deus e Satanás. Havia um propósito nobre.

Jó, o homem religioso e íntegro precisa de uma experiência real e pessoa com Deus, conhecê-lo não apenas intelectualmente ou religiosamente, mas experiencialmente. Da mesma forma que Jó, há muitas pessoas que vivem a sua religiosidade e em integridade moral, mas não conhecem a Deus pessoalmente.

Após os diálogos narrados entre Jó, seus amigos e Deus, Jó cresce no conhecimento do poder e da soberania de Deus (42.1-2). Mais ainda, Jó descreve a sua própria experiência com o Senhor:

"Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza." (42.5)

Quanto mais conhecemos a Deus, mais clara será a percepção de nossa própria condição de indignos e falhos seres humanos, carentes plenamente da graça e do amor do Pai celestial.

Por mais que questionemos os métodos ou caminhos de Deus, precisamos por fé, entender que são os melhores. Por fim, depois de tantas experiências que resultaram num relacionamento real, pessoal e íntimo com o Senhor, o cativeiro de Jó foi mudado...

 O argumento do reverendo Germano é uma variação sutil das acusações dos amigos de Jó: ele não acusa Jó de ser um grande pecador, mas de não ser verdadeiramente próximo a Deus. Jó não é um pecador merecedor das calamidades que lhe sobrevieram, mas é insuficientemente íntimo com Deus, e "precisa de uma experiência real e pessoal com Deus" que, aparentemente, só pode ser recebida após a devastação de todas as suas posses, a morte violenta de todos os seus filhos, e a destruição quase total de sua saúde. O sofrimento de Jó seria o instrumento pelo qual ele chegaria a esta experiêncianecessária. A lógica do reverendo Germano é mais cruel que a dos amigos de Jó: para Elifaz, Bildade, e Zofar, Deus destruiu a vida de Jó por causa de algum pecado terrível que Jó ocultava; para o reverendo Germano, Deus destruiu a vida de Jó porque Jó não tinha um relacionamento pessoal mais profundo com Ele. No seu anseio para justificar as ações de Deus, o reverendo Germano acaba, tanto quanto os maus consoladores do livro, culpando a vítima por seu sofrimento e, incrivelmente, pintando um quadro ainda mais assustador das operações da justiça divina do que o próprio livro de Jó.

O próprio livro de Jó deixa claro que Jó não possui qualquer falta moral - ou falta de intimidade com Deus- que justifique suas calamidades. Observem as palavras com as quais Deus inicialmente descreve a Jó: "Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal?" (Jó 1:8) O livro de Jó pode tomar muitas liberdades com a maneira em que seu protagonista descreve a Deus, mas não é insignificante que Deus, ao direcionar sua atenção a Jó, o descreve como literalmente a melhor pessoa do mundo, "que ninguém há na terra semelhante a ele". Supondo que para um autor judaico a experiência de intimidade e confiança em Deus seria um grande componente do que define a vida de um homem justo, certamente estas qualidades não estariam faltando na melhor pessoa do mundo, estariam? Observe as lamentações furiosas de Jó ao decorrer do livro; ele não está apenas angustiado com suas perdas, mas se sente pessoalmente traído por um Deus que ele amava, decepcionado com um Deus que ele sempre considerara justo. Este tipo de amargura, de decepção pessoal emocionada não sairia da boca de uma pessoa que conhece a Deus apenas no abstrato.

Finalmente: se Jó admite que conhecia a Deus apenas por ouvir falar, mas que agora o tinha visto com os seus olhos, isto não seria verdadeiro em qualquer caso, não importa o quão íntimo com Deus ele fosse? Ele acabou de ver o Todo Poderoso se manifestando num terrível furacão, sarcasticamente lançando perguntas retóricas em sua cara, algo inteiramente surpreendente até para o mais cínico dos leitores. Qualquer um de nós, do mais santo ao mais vil, poderia responder da mesma maneira que Jó perante o discurso enigmático e aterrador de Deus: aqui está o Senhor do Universo de uma maneira em que eu nunca imaginava. Deus oferece pouco consolo a Jó; mas Jó é consolado. O fato de que Deus se faz presente, mesmo sem responder qualquer uma de suas perguntas, mesmo sem explicar que motivo maior ele teria para fazê-lo sofrer, é o suficiente para Jó. Deveria nos bastar também. Em Jó 2:3, Deus abertamente admite a Satanás que Jó foi consumido sem causa. Por que isto é tão difícil de aceitar?
Dos dizeres dos pais do deserto

Conta-se a história de um irmão que veio conhecer Abba Arsênio em Scetis. Quando ele chegou à igreja e perguntou se poderia visitar Abba Arsênio, lhe responderam, "Irmão, coma e beba alguma coisa primeiro, e então vá vê-lo." Mas ele disse, "Não comerei até conhecê-lo." Como a cela de Arsênio era distante, eles enviaram um irmão para acompanhá-lo. Tendo batido na porta de Arsênio, eles entraram, cumprimentaram o velho monge e sentaram sem que uma palavra fosse dita. Então o irmão que acompanhava o visitante disse, "Eu te deixarei aqui. Rezem por mim." O irmão visitante, sentindo-se pouco a vontade com o velho, disse, "Irei contigo." E eles foram embora juntos.

Então o irmão visitante pediu, "Leve-me a Abba Moisés, que no passado foi bandido." Quando eles chegaram, o Abba os recebeu alegremente, e depediu-se deles com gozo. O irmão que guiava o visitante perguntou a seu companheiro, "Eu te apresentei a Arsênio e Moisés, qual dos dois você prefere?" "Por mim," respondeu o visitante, "prefiro Abba Moisés". 

Agora, um padre que ouviu estas palavras orou a Deus, dizendo, "Senhor, explique esta questão para mim: por amor ao teu nome um homem foge da companhia dos homens, e o outro, por amor ao teu nome, os recebe de braços abertos."

E então numa revelação ele viu dois grandes barcos descendo um rio, e em um ele viu Abba Arsênio e o Espírito Santo em perfeito silêncio; e no outro estavam Abba Moisés e os anjos de Deus, comendo bolos de mel.

Minha tradução está tosquinha, e deixarei qualquer explicação do texto pra depois. Mas se há uma parábola perfeita para a beleza da diversidade cristã, talvez seja esta.


João Santos   PROFESSOR JOÃO LEMOS DO IBAD

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